Cerveja Artesanal e Sustentabilidade: Como a Indústria Está a Mudar
Introdução
A sustentabilidade deixou de ser uma tendência para se tornar uma necessidade. No mundo da cerveja artesanal, onde a autenticidade e a consciência social são pilares fundamentais, a atenção à pegada ecológica ganha cada vez mais relevância. As cervejeiras independentes em Portugal — e um pouco por todo o mundo — estão a adotar práticas ecológicas que vão muito além do marketing verde. Estamos a assistir a uma verdadeira transformação na forma como a cerveja é pensada, produzida, distribuída e consumida. Neste artigo, exploramos como a sustentabilidade está a moldar o futuro do setor craft.
O impacto ambiental da produção de cerveja
Fazer cerveja exige recursos. Muitos recursos. Para cada litro de cerveja produzido, são necessários em média 3 a 6 litros de água. Soma-se a isso a energia para ferver, refrigerar e transportar, os resíduos de malte, o uso de embalagens, e a logística de distribuição. Quando olhamos para a cadeia de produção como um todo, percebemos que, sem atenção às boas práticas, a pegada ecológica pode ser significativa.
Mas é também aqui que as cervejeiras artesanais têm uma oportunidade única: por serem mais pequenas, ágeis e ligadas à comunidade, podem testar soluções inovadoras e circulares com mais facilidade do que grandes indústrias.
Estratégias sustentáveis adotadas por cervejeiras artesanais
1. Reutilização de água e redução do consumo
Cervejeiras como a Barona e a Musa têm implementado sistemas para reutilizar água de arrefecimento e minimizar o desperdício durante o processo de brassagem. Além disso, há uma aposta clara em tecnologia que permite maior precisão no uso da água, evitando o desperdício em lavagens e processos de limpeza.
2. Aproveitamento de subprodutos
O bagaço de malte (o resíduo resultante da brassagem) já é frequentemente doado a produtores locais de gado. Mas algumas marcas vão mais longe: fazem pão artesanal com bagaço, snacks proteicos, ou usam-no em compostagem para hortas comunitárias. A circularidade é o novo normal.
3. Fontes de energia renováveis
Algumas microcervejeiras começaram a instalar painéis solares para alimentar os seus tanques de fermentação ou os sistemas de refrigeração. Outras optam por contratos de eletricidade verde, promovendo uma produção de energia mais limpa.
4. Embalagens mais conscientes
Há uma aposta crescente em latas recicláveis, garrafas reutilizáveis e até growlers (recipientes que podem ser enchidos várias vezes no ponto de venda). O uso de rótulos biodegradáveis, tinta ecológica e caixas de cartão reciclado já é uma prática comum em várias cervejeiras portuguesas.
5. Distribuição local e consumo de proximidade
Ao apostar em vendas diretas, taprooms e eventos locais, as cervejeiras reduzem o impacto ambiental associado à logística de distribuição. Isto também fortalece a economia local e cria uma comunidade mais consciente e engajada.
Casos de boas práticas em Portugal
🍺 Letra (Vila Verde, Minho)
Embalagens sustentáveis: A Cerveja Letra opta por utilizar latas como recipiente, contribuindo para um armazenamento mais sustentável. Esta escolha é motivada por preocupações ambientais e económicas, uma vez que o transporte de latas é mais eficiente e o alumínio é mais barato em comparação com as garrafas de vidro.
Responsabilidade social: A Letra desenvolveu uma cerveja de edição especial em parceria com um artista plástico, destinando parte das receitas para uma iniciativa de apoio a vítimas. Além disso, promoveu a angariação de bens em troca de cerveja para ajudar famílias carenciadas.
🍺 Barona Brewing Company (Marvão, Alto Alentejo)
Compromisso com a sustentabilidade: A Barona Brewing Company tem vindo a implementar práticas sustentáveis no seu modelo de negócio, focando-se na redução do consumo de recursos, minimização do desperdício e produção eficiente. Embora a sustentabilidade ainda não seja o foco principal, a empresa reconhece a importância de integrar estas práticas para se aproximar de uma abordagem totalmente sustentável.
🍺 Mean Sardine (Ericeira)
Produção artesanal limpa: A Mean Sardine Brewery produz cervejas artesanais 100% malte, não filtradas, sem corantes e sem conservantes. Esta abordagem destaca-se por utilizar ingredientes naturais e métodos de produção que evitam aditivos artificiais, alinhando-se com práticas mais sustentáveis.
🍺 Vadia (Ossela, Oliveira de Azeméis)
Valorização de subprodutos: A Cerveja Vadia, através da empresa Essência D’Alma, tem demonstrado interesse na reutilização e valorização dos subprodutos da atividade cervejeira, como a dreche, levedura excedentária e lúpulo residual, alinhando-se com políticas de economia circular.
Inovação e sustentabilidade: A Vadia lançou a primeira cerveja artesanal portuguesa sem álcool, a Vadia 100, desenvolvida em parceria com a Universidade de Aveiro. Esta cerveja é rica em vitaminas, polifenóis e sais minerais, adaptando-se a um consumo quotidiano mais saudável.
Colaboração local: Para celebrar o seu 10.º aniversário, a Vadia lançou a cerveja "10 Anos, 10 Lúpulos", uma edição especial colaborativa com produtores artesanais de lúpulo das Terras de Santa Maria, promovendo o cultivo local e o fabrico de cerveja artesanal.
Estes exemplos mostram que não é preciso ser uma grande multinacional para ter impacto positivo.
O papel do consumidor consciente
Não é apenas do lado das cervejeiras que a mudança acontece. Os consumidores têm hoje um papel fundamental. A procura por produtos locais, com rastreabilidade clara e práticas sustentáveis, está a influenciar decisões de compra. Cada vez mais, beber uma cerveja artesanal é também um ato político, uma escolha consciente entre apoiar práticas responsáveis ou perpetuar modelos insustentáveis.
Ao escolheres uma cerveja feita com ingredientes de proximidade, com embalagem ecológica e por uma marca comprometida com o ambiente, estás a enviar uma mensagem clara ao mercado.
Desafios e oportunidades
Ainda há muito por fazer. A transição ecológica exige investimento, tempo e educação. Algumas práticas ainda são dispendiosas para microcervejeiras com margens reduzidas. No entanto, o apoio de programas europeus, incentivos governamentais e parcerias estratégicas podem acelerar esta mudança.
Além disso, a sustentabilidade não é apenas uma exigência ética — é uma vantagem competitiva. As marcas que comunicam de forma transparente e fazem do ambiente uma prioridade estão a ganhar a fidelidade de uma geração que valoriza mais do que apenas o sabor.
Conclusão
A cerveja artesanal em Portugal está a crescer de forma mais consciente. Sustentabilidade já não é uma opção — é parte integrante da identidade de muitas marcas craft. Seja na água que se poupa, nos resíduos que se reaproveitam ou na energia que se capta do sol, cada gesto conta.
Estamos perante uma nova era: cerveja com propósito.
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